Maria Elisa interpreta "Mineirinho", de Clarice Lispector

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  • čas přidán 17. 04. 2019
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    Maria Elisa interpreta "Mineirinho", de Clarice Lispector

Komentáře • 42

  • @soniamf7925
    @soniamf7925 Před 20 dny +1

    *_LIKES_* 👍🏻👍🏻👍🏻👍🏻❤️🕊🕊🕊🕊✌🏻
    Obrigada.
    *_SOLIDARIEDADE COM A POPULAÇÃO DO RS!_* 😢

  • @liviacosta3799
    @liviacosta3799 Před 3 lety +38

    Como diria a própria Clarice: "Um tiro bastava, o resto era apenas vontade de matar"...

  • @carlamonicaquintino7828
    @carlamonicaquintino7828 Před 3 lety +50

    Mineirinho
    É, suponho que é em mim, como um dos representantes do nós, que devo procurar por que está doendo a morte de um facínora. E por que é que mais me adianta contar os treze tiros que mataram Mineirinho do que os seus crimes. Perguntei a minha cozinheira o que pensava sobre o assunto. Vi no seu rosto a pequena convulsão de um conflito, o mal-estar de não entender o que se sente, o de precisar trair sensações contraditórias por não saber como harmonizá-las. Fatos irredutíveis, mas revolta irre­dutível também, a violenta compaixão da revolta. Sentir-se dividido na própria perplexidade diante de não poder esquecer que Mineirinho era perigoso e já matara demais; e no entanto nós o queríamos vivo. A cozinheira se fechou um pouco, vendo-me talvez como a justiça que se vinga. Com alguma raiva de mim, que estava mexendo na sua alma, respondeu fria: “O que eu sinto não serve para se dizer. Quem não sabe que Mineirinho era criminoso? Mas tenho certeza de que ele se salvou e já entrou no céu”. Respondi-lhe que “mais do que muita gente que não matou”.Por que? No entanto a primeira lei, a que protege corpo e vida insubstituíveis, é a de que não matarás. Ela é a minha maior garantia: assim não me matam, porque eu não quero morrer, e assim não me deixam matar, porque ter matado será a escuridão para mim.
    Esta é a lei. Mas há alguma coisa que, se me faz ouvir o primeiro e o segundo tiro com um alívio de segurança, no terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o quinto e o sexto me cobrem de vergonha, o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror, no nono e no décimo minha boca está trêmula, no décimo primeiro digo em espanto o nome de Deus, no décimo segundo chamo meu irmão. O décimo terceiro tiro me assassina - porque eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro.
    Essa justiça que vela meu sono, eu a repudio, humilhada por precisar dela. Enquanto isso durmo e falsamente me salvo. Nós, os sonsos essenciais.
    Para que minha casa funcione, exijo de mim como primeiro dever que eu seja sonsa, que eu não exerça a minha revolta e o meu amor, guardados. Se eu não for sonsa, minha casa estremece. Eu devo ter esquecido que embaixo da casa está o terreno, o chão onde nova casa poderia ser erguida. Enquanto isso dormimos e falsamente nos salvamos.
    Até que treze tiros nos acordam, e com horror digo tarde demais - vinte e oito anos depois que Mineirinho nasceu - que ao homem acuado, que a esse não nos matem. Porque sei que ele é o meu erro. E de uma vida inteira, por Deus, o que se salva às vezes é apenas o erro, e eu sei que não nos salvaremos enquanto nosso erro não nos for precioso. Meu erro é o meu espelho, onde vejo o que em silêncio eu fiz de um homem. Meu erro é o modo como vi a vida se abrir na sua carne e me espantei, e vi a matéria de vida, placenta e sangue, a lama viva.
    Em Mineirinho se rebentou o meu modo de viver. Como não amá-lo, se ele viveu até o décimo-terceiro tiro o que eu dormia? Sua assustada violência. Sua violência inocente - não nas conseqüências, mas em si inocente como a de um filho de quem o pai não tomou conta.
    Tudo o que nele foi violência é em nós furtivo, e um evita o olhar do outro para não corrermos o risco de nos entendermos. Para que a casa não estre­meça.
    A violência rebentada em Mineirinho que só outra mão de homem, a mão da esperança, pousando sobre sua cabeça aturdida e doente, poderia aplacar e fazer com que seus olhos surpreendidos se erguessem e enfim se enchessem de lágrimas. Só depois que um homem é encontrado inerte no chão, sem o gorro e sem os sapatos, vejo que esqueci de lhe ter dito: também eu.
    Eu não quero esta casa. Quero uma justiça que tivesse dado chance a uma coisa pura e cheia de desamparo em Mineirinho - essa coisa que move montanhas e é a mesma que o fez gostar “feito doido” de uma mulher, e a mesma que o levou a passar por porta tão estreita que dilacera a nudez; é uma coisa que em nós é tão intensa e límpida como uma grama perigosa de radium, essa coisa é um grão de vida que se for pisado se transforma em algo ameaçador - em amor pisado; essa coisa, que em Mineirinho se tornou punhal, é a mesma que em mim faz com que eu dê água a outro homem, não porque eu tenha água, mas porque, também eu, sei o que é sede; e também eu, que não me perdi, experimentei a perdição.
    A justiça prévia, essa não me envergonharia. Já era tempo de, com ironia ou não, sermos mais divinos; se adivinhamos o que seria a bondade de Deus é porque adivinhamos em nós a bondade, aquela que vê o homem antes de ele ser um doente do crime. Continuo, porém, espe­rando que Deus seja o pai, quando sei que um homem pode ser o pai de outro homem.
    E continuo a morar na casa fraca. Essa casa, cuja porta protetora eu tranco tão bem, essa casa não resistirá à primeira ventania que fará voar pelos ares uma porta tran­cada. Mas ela está de pé, e Mineirinho viveu por mim a raiva, enquanto eu tive calma.
    Foi fuzilado na sua força desorientada, enquanto um deus fabricado no último instante abençoa às pressas a minha maldade organizada e a minha justiça estupidificada: o que sustenta as paredes de minha casa é a certeza de que sempre me justificarei, meus amigos não me justificarão, mas meus inimigos que são os meus cúmplices, esses me cumprimentarão; o que me sustenta é saber que sempre fabricarei um deus à imagem do que eu precisar para dormir tranqüila e que outros furtivamente fingirão que estamos todos certos e que nada há a fazer.
    Tudo isso, sim, pois somos os sonsos essenciais, baluartes de alguma coisa. E sobretudo procurar não entender.
    Porque quem entende desorganiza. Há alguma coisa em nós que desorganizaria tudo - uma coisa que entende. Essa coisa que fica muda diante do homem sem o gorro e sem os sapatos, e para tê-los ele roubou e matou; e fica muda diante do São Jorge de ouro e diamantes. Essa alguma coisa muito séria em mim fica ainda mais séria diante do homem metralhado. Essa alguma coisa é o assassino em mim? Não, é desespero em nós. Feito doidos, nós o conhecemos, a esse homem morto onde a grama de radium se incendiara. Mas só feito doidos, e não como sonsos, o conhecemos. É como doido que entro pela vida que tantas vezes não tem porta, e como doido compreendo o que é perigoso compreender, e só como doido é que sinto o amor profundo, aquele que se confirma quando vejo que o radium se irradiará de qualquer modo, se não for pela confiança, pela esperança e pelo amor, então miseravelmente pela doente coragem de destruição. Se eu não fosse doido, eu seria oitocentos policiais com oitocentas metralhadoras, e esta seria a minha honorabilidade.
    Até que viesse uma justiça um pouco mais doida. Uma que levasse em conta que todos temos que falar por um homem que se desesperou porque neste a fala humana já falhou, ele já é tão mudo que só o bruto grito desarticulado serve de sinalização.
    Uma justiça prévia que se lembrasse de que nossa grande luta é a do medo, e que um homem que mata muito é porque teve muito medo. Sobretudo uma justiça que se olhasse a si própria, e que visse que nós todos, lama viva, somos escuros, e por isso nem mesmo a maldade de um homem pode ser entregue à maldade de outro homem: para que este não possa cometer livre e aprovadamente um crime de fuzilamento.
    Uma justiça que não se esqueça de que nós todos somos perigosos, e que na hora em que o justiceiro mata, ele não está mais nos protegendo nem querendo eliminar um criminoso, ele está cometendo o seu crime particular, um longamente guardado. Na hora de matar um criminoso - nesse instante está sendo morto um inocente. Não, não é que eu queira o sublime, nem as coisas que foram se tornando as palavras que me fazem dormir tranqüila, mistura de perdão, de caridade vaga, nós que nos refugiamos no abstrato.
    O que eu quero é muito mais áspero e mais difícil: quero o terreno.

  • @HenriqueSantos-sb3ic
    @HenriqueSantos-sb3ic Před 3 lety +46

    Essa crônica se baseia e resume em uma única palavra, empatia!

  • @katianascimentoportugues7962

    "Quem entende, desorganiza". Essa é a melhor passagem. Uma crônica de cunho social e com esta mensagem, me faz pensar o quanto precisamos desorganizar este mundo pra uma nova ordem.

    • @Max.soriano
      @Max.soriano Před 2 lety

      “Ecco, è meglio la vita più miserabile, credimi, che l’esistenza protetta da una società organizzata in cui tutto sia previsto, tutto perfetto.”

  • @andreia646
    @andreia646 Před 2 měsíci

    Choro toda vez que escuto esse áudio 😢😢😢😢😢

  • @Yusei5ds0707
    @Yusei5ds0707 Před 3 lety +7

    Um homem raramente faria uma reflexão dessa, sem segundas intenções.

  • @estevesfernanda7962
    @estevesfernanda7962 Před 2 lety +6

    Simplesmente expetacular !!!!!!
    parabéns!!!!
    Um milhão de Like, pois já ouvi o vídeo 20 veze em 2 dias ,amanhã eu volto !

  • @higorpinheiro8160
    @higorpinheiro8160 Před 3 lety +19

    Lázaro

  • @andreia646
    @andreia646 Před 2 měsíci

    Foi o mesmo que aconteceu cm Lázaro,estavam cansados de procurar e ele conseguia escapar sempre,desviando caminhos e enganando policiais,isso fazia cm que os mesmos se irritassem mais ainda,então pra mim todos aqueles tiros que lançaram, alegando que ele havia reagido e se exaltado ,na verdade foi toda raiva e cansaço ao procurá- lo...😢😢😢😢

  • @rodrigoslmercadante
    @rodrigoslmercadante Před 2 lety +3

    Das coisas mais lindas da nossa literatura.

  • @joelisonnascximento660

    Espero que Deus seja pai enquanto um homem for pai de outro homem achei lindo essa parte

  • @rafaeldasilvabonfim5743
    @rafaeldasilvabonfim5743 Před 3 lety +11

    "É como doido que entro pela vida que tantas vezes não tem porta, e como doido compreendo o que é perigoso compreender, e só como doido é que sinto o amor profundo..."
    Texto incrível e narração cheia de luz e sangue.

  • @douglascustodio1066
    @douglascustodio1066 Před 4 lety +13

    Que conto q me causa inquietação, agitação, perplexidade. Sim esse composto de coisas só diz uma coisa: Eu sou o Mineirinho.

  • @mariluciadarosarezende3981

    Texto denso, profundo que nos leva a refletir sobre a justiça ou injustiça humana...

  • @AntonioCarlos-rn6nq
    @AntonioCarlos-rn6nq Před 2 lety +1

    Esse texto é um dos meus favoritos de Clarice, e essa interpretação ficou incrível!!

  • @AnaPaula-hx3mo
    @AnaPaula-hx3mo Před 2 lety +10

    Me lembra a saga de Lázaro

  • @arabelafigueiras6379
    @arabelafigueiras6379 Před 2 lety +1

    É tão linda e profunda....

  • @wirow01
    @wirow01 Před 2 lety

    perfeito!!

  • @danieladriao9935
    @danieladriao9935 Před 2 lety +6

    (...) "Essa Justiça, eu a repudio, envergonhado por precisar dela...

  • @otristefinn
    @otristefinn Před 5 lety +2

    ❤️

  • @vidavida3804
    @vidavida3804 Před 7 měsíci

    👏🏻👏🏻👏🏻

  • @vicentebenedito5873
    @vicentebenedito5873 Před 2 lety

    a melhor narração de todas absolutamente

  • @vicentebenedito5873
    @vicentebenedito5873 Před 2 lety

    gracias

  • @vinimulato
    @vinimulato Před 3 lety +1

    🌹

  • @vidavida3804
    @vidavida3804 Před 7 měsíci

    Única !!!!!!! 👏🏻👏🏻👏🏻

  • @Gustavoalessandrom
    @Gustavoalessandrom Před 3 lety

    Muito forte!! Linda narração!

  • @rafaaholic
    @rafaaholic Před 5 měsíci

    Como ouvir sem chorar? 😢

  • @joelisonnascximento660
    @joelisonnascximento660 Před 6 měsíci

    Ela amava mineirinho

  • @elvis278941
    @elvis278941 Před 4 lety +2

    Eu sou o Mineirinho.

  • @brenocruzduarte4083
    @brenocruzduarte4083 Před rokem

    Escrevi um conto inspirado nesse. O meu foi baseado na morte de Lázaro.

  • @joelisonnascximento660
    @joelisonnascximento660 Před 2 lety +4

    quando se mata um criminoso temos ai dois criminosos basicamente o que ela quiz dizer

    • @FilosofiaPop
      @FilosofiaPop  Před 2 lety

      é isso... esse texto é um daqueles que nos deixam o silêncio denso...

  • @brenocruzduarte4083
    @brenocruzduarte4083 Před rokem

    O que diria Clarisse de Lázaro? Homem morto com 140 tiros, quando 1 bastava, 139 era a vontade de matar.
    *"Na hora de matar um criminoso, nesse instante morre um inocente."*

  • @joelisonnascximento660
    @joelisonnascximento660 Před 2 lety +4

    gente isso e uma facada na alma

  • @joelisonnascximento660
    @joelisonnascximento660 Před 6 měsíci

    Ela se vê indignada

  • @elianepereira6794
    @elianepereira6794 Před 3 lety +8

    Me vejo na cozinheira... medo de admitir o q pendo, vergonha de verbalizar...

  • @joelisonnascximento660
    @joelisonnascximento660 Před 6 měsíci

    Mineirinho representa o homem negro que sofre descriminação

  • @ANAPAULAMACIELRIBEIRO
    @ANAPAULAMACIELRIBEIRO Před 10 měsíci +1

    Ah, Clarisse... Não há esperança para quem te lê/ouve, e não 'desperta'... 🙄