"Mineirinho" conto de Clarice Lispector (Ouvindo Livro)

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  • čas přidán 8. 09. 2010
  • Gravação de "Mineirinho" conto de Clarice Lispector, por Klaus Novais - audio Ricardo Calixto, realizada para o projeto socioeducativo "Ouvindo Livro" (2010).

Komentáře • 122

  • @alanhilame2897
    @alanhilame2897 Před 6 lety +212

    Na entrevista, Clarice diz: “Qualquer que tivesse sido o crime dele, uma bala bastava; o resto era vontade de matar” Que frase!!!

    • @joaonascimento1493
      @joaonascimento1493 Před 5 lety +9

      Eu vi a entrevista e achei espetacular a compreensão dela sobre a crueldade humana!!!

    • @Xpto1234
      @Xpto1234 Před 5 lety +1

      E quem nunca teve vontade de matar?

    • @JoaoLucas-il5hi
      @JoaoLucas-il5hi Před 5 lety +2

      Dependendo da situação, a polícia vai disparar muito mais que 1 tiro, e isso não é vontade de matar.

    • @oescafandrista
      @oescafandrista Před 4 lety +12

      @@JoaoLucas-il5hi isto não é sobre a polícia, é sobre nós.

    • @JoaoLucas-il5hi
      @JoaoLucas-il5hi Před 4 lety

      @@oescafandrista Como assim?

  • @PatriciaMachadoBr
    @PatriciaMachadoBr Před 5 lety +95

    1962 foram 13 tiros , Clarice, 2019 foram 80 com uma família inteira dentro... Só pioramos, Clarice, só pioramos...

  • @taisalima8706
    @taisalima8706 Před 7 lety +56

    Um dos contos mais inquietantes de Clarice Lispector. A ausência de justiça prévia só provoca a cegueira ao olhar o sujeito dito criminoso.

  • @phillip7008
    @phillip7008 Před 6 lety +42

    "... A décima segunda bala me atinge, a décima terceira bala sou eu..."

  • @deyvissonrafael9448
    @deyvissonrafael9448 Před 7 lety +40

    Dê uma grandeza de uma compaixão.. Como era profunda e grandiosa nossa querida Clarice.

    • @izabelcst
      @izabelcst Před 3 lety

      VER HUMAN tempo: 5.25 - czcams.com/video/-Ap1qI-3nhg/video.html

  • @rafaelacotta2708
    @rafaelacotta2708 Před 10 lety +98

    E como esse conto se encaixa no nosso Brasil atual....

  • @sofialima7855
    @sofialima7855 Před měsícem

    Conto, que me fez fazer uma auto reflexão. Grande mulher.

  • @julianasantanna4710
    @julianasantanna4710 Před 7 lety +42

    finalmente a revolta que sinto nos dias atuais, fora explicada.

    • @felipebettinirabello3049
      @felipebettinirabello3049 Před 3 lety

      Como vc pode entender a essência da sua revolta se nem sabe o que fazer com as vírgulas ?

    • @ilce372
      @ilce372 Před 3 lety +2

      @@felipebettinirabello3049 e vc sabe o que fazer com sua arrogância?

  • @laninhamarao
    @laninhamarao Před 12 lety +25

    Sensível demais!!! Antes do criminoso vem o homem..que foi modificado pelo meio. Brilhante Clarisse.

    • @andersoncerqueira2723
      @andersoncerqueira2723 Před 4 lety +2

      Que meio ?
      Quantas pessoas viveram e vivem, no mesmo meio que esse Mineirinho viveu ? Será que todos eles ou, a grande maioria, viraram marginais ?
      Será que todos que vieram de uma classe mais abonada, são honestos ?
      Será que vocês não vêem que, é esse discurso, que fez o Brasil virar um dos países mais violento do mundo
      São vocês que adubam essa bandidagem
      É da mão de vocês que, escorre o sangue das vítimas

  • @roberiog8545
    @roberiog8545 Před 5 lety +12

    Que profundo!!!! Clarice Lispector é um soco no estômago da hipocrisia humana.

  • @diegoalmeidapereira6861
    @diegoalmeidapereira6861 Před 5 lety +11

    Aconteceu ontem, com os oitenta tiros no carro de uma família no norte do Rio A diferença é que foi um engano.

  • @user-nj3lw5oz6c
    @user-nj3lw5oz6c Před 9 měsíci

    Como não amar esta crônica (Mineirinho)? Como não amar Clarice Lispector? Particularmente, não tenho palavras de como essa crônica me fez pensar e refletir sobre muitas coisas, sempre que leio ou ouço fico totalmente arrepiado!

  • @thiagonoce
    @thiagonoce Před 5 lety +26

    O que Clarice diria de um músico, inocente, morto com 80 tiros(!) por militares no fim de semana no Rio, segundo eles, por engano?

    • @canaltiobrino
      @canaltiobrino Před 5 lety

      Você está falando sério, Thiago? O que aconteceu? De quem vc está falando? De um um músico? Quem é ele? Ou quem era ele?

    • @juditejesus9818
      @juditejesus9818 Před 3 lety

      Clarice diria que foi um fuzilamento!

  • @brenobac839
    @brenobac839 Před 6 lety +13

    Eu só consigo me lembrar de Marielle... Longe de ser uma facínora, mas sua morte dói muito!

    • @izabelcst
      @izabelcst Před 3 lety

      A juíza Patrícia Axcoli também foi assassinada por policiais bandidos. E foram 21 tiros.

    • @izabelcst
      @izabelcst Před 3 lety

      em agosto de 2011.

  • @joaoposis3558
    @joaoposis3558 Před 4 lety +9

    Se ela sentiu isso em 13 tiros disparados em um facínora, imagina o que ela sentiria com 80 tiros em uma família de inocentes?

  • @Chriss812
    @Chriss812 Před 6 lety +36

    _"Uma bala bastaria as demais... é _*_prepotência"_*

    • @izabelcst
      @izabelcst Před 3 lety +1

      Só lembrando que o rapaz estava desarmado.

    • @vitornathan5340
      @vitornathan5340 Před 3 lety

      Prepotência

    • @danielamiranda8175
      @danielamiranda8175 Před 2 lety

      @@vitornathan5340 Penso que ela foi silenciada pela censura e pela ditadura. Afinal, era uma época onde grandes artistas expressavam os horrores da ditadura por meio da arte (literatura e música). Talvez se não fosse por isso, ela teria falado ainda mais sobre a truculência e arbitrariedade. Isso fica bem claro na entrevista onde ela fala que o papel dos escritores é "falar o menos possível". Parece que ela podia ver o que se passaria nos dias atuais. Ela era uma visionária.

    • @vitornathan5340
      @vitornathan5340 Před 2 lety +1

      Isso! Concordo plenamente. Ela sempre engolia suas palavras, e sempre generalizava como o papel "dos escritores" era falar o menos possível..

  • @edgardgrandet
    @edgardgrandet Před 4 lety +4

    Essa crônica doeu em mim. Ela deixou-me triste, perplexo e revoltado

    • @izabelcst
      @izabelcst Před 3 lety

      Ver HUMAN tempo 5.25 - czcams.com/video/-Ap1qI-3nhg/video.html

  • @rebecamaria23
    @rebecamaria23 Před 6 lety +5

    transborda sensibilidade, que mulher.

  • @eguinacristina6305
    @eguinacristina6305 Před 4 lety +5

    13 ela achou o cúmulo. Imagine se ele soubesse dos 80 por " acidente ".

  • @pedrocmpns
    @pedrocmpns Před 3 lety +1

    Toda vez choro...muito profundo...me causa um convulsão de sentimentos

  • @numericos1279
    @numericos1279 Před 2 lety +1

    Só lhes digo uma coisa... Ter pena de criminosos é trair os inocentes!

  • @roberiog8545
    @roberiog8545 Před 6 lety +5

    Que profundo!!!! Clarice Lispector é pura psicologia!!!😍😍😍👏👏👏

  • @ricardosantosdavid37
    @ricardosantosdavid37 Před 6 lety +12

    Nossa! O "Mineirinho", ética, psicanálise, literatura, violência e justiça. Uma Médium tem uma paixão ardente por ele até hoje. O lado ( oculto dela do romance entre ela o Mineirinho ). É um clássico. Eu vou comentar este Livro!

  • @juniorribeiro3740
    @juniorribeiro3740 Před 5 lety +1

    Encantado! Obrigado...

  • @karemcaetano8679
    @karemcaetano8679 Před 7 lety +2

    Gente que atual!! Maravilhoso!!!!!!

  • @josefamariadelimapimentel8359

    Fantástica descrição,quanta sensibilidade e tão atual.

  • @adrianopires4939
    @adrianopires4939 Před 11 lety +2

    Verdade Brilhante!

  • @danielsolda
    @danielsolda Před 3 lety +7

    Voltei aqui em 2021 porque a solução do caso Lázaro me lembrou Mineirinho.

    • @andreb3909
      @andreb3909 Před 3 lety +1

      Pensei a mesma coisa e fiz o mesmo :/

  • @amandafreitasdesousa798

    Meu deuuuuuuus! Que crônica maravilhosa. Eu tô arrepiada!

  • @luziacosta6719
    @luziacosta6719 Před 2 lety

    Clarice Lispector essa tem uma linda história de amor de vida.

  • @MduarteluzLuz
    @MduarteluzLuz Před 5 lety

    ,
    Quão sensível, profunda... era essa escritora, por quem tive grande admiração.

  • @augustoxavier9833
    @augustoxavier9833 Před 7 lety +3

    amor!

  • @brendacarolinemunizdasilva891

    Que conto atual mds

  • @tatianagabrielfernandes3213

    É muito atual esse conto. LÁZARO

  • @anaclaudiavieirasilvasimoe2872

    Gratidão

  • @rosi1000ful
    @rosi1000ful Před 10 lety +4

    eu fiz o trabalho no primeiro período deste conto e amei, nossa sem palavras para descrever, foi uma grande experiencia para mim, explicar cada detalhe deste conto desta grande escritora...Como eu queria ter conhecido esta diva...

  • @vitalvess
    @vitalvess Před 12 lety +3

    Muito bom.

  • @ilegnah303
    @ilegnah303 Před 3 lety

    Essa crônica é maravilhosa!!!

  • @juniormoura9403
    @juniormoura9403 Před 8 lety +2

    Lindo !

  • @daniellasfreitas
    @daniellasfreitas Před 4 lety +3

    jun, 2020.

  • @revistaoceanos6793
    @revistaoceanos6793 Před 2 lety

    Eu não quero a casa que abriga os sonsos e justos. Eu quero o terreno. Idem, Clarice.

  • @aquiferoliteratura12
    @aquiferoliteratura12 Před 6 měsíci

    Muito bom!

  • @jpealves1
    @jpealves1 Před 3 lety

    Sensacional!

  • @maycon_maciel
    @maycon_maciel Před 3 lety +1

    Clarice faz falta!

  • @mariaclaracarvalhoromano3817

    Grande é a ambição de querer escrever como Clarice

  • @julianaandrade2748
    @julianaandrade2748 Před 3 lety +2

    Hoje, mataram Lazaro, so me lembro de Mineirinho...

  • @jorlanolivlet
    @jorlanolivlet Před 7 lety +5

    tão atual

  • @valnisiamaral
    @valnisiamaral Před 2 lety

    Quero! 👏

  • @ANDREAS-gi7vg
    @ANDREAS-gi7vg Před 3 lety

    Cada bala .... cada dor.... todo o medo do mundo!

  • @amandasousa7247
    @amandasousa7247 Před 3 lety

    tão lúcida

  • @laraazevedo7535
    @laraazevedo7535 Před 3 lety

    Wow 🙏🙏🙏🙏😍😍

  • @andrenunes3247
    @andrenunes3247 Před 6 lety +4

    Conto com uma visão utópica de uma pessoa sensível demais para a realidade primitiva dos homens.... a visão de uma pessoa civilizada que tenta dar sentido ao selvagem que ainda habita os corações de alguns homens. A parte em que ela diz que se mata demais por se ter medo demais, é de se "gargalhar" da tamanha inocência de Clarice, ela não percebia que alguns - deste ou do outro lado da Lei - matam não por descontrole ou excesso de sentimentos...mas sim por ausência deles.

    • @izabelcst
      @izabelcst Před 3 lety

      Ver HUMAN tempo: 5.25 - czcams.com/video/-Ap1qI-3nhg/video.html

    • @andrenunes3247
      @andrenunes3247 Před 3 lety

      @@izabelcst já havia assistido a esse trecho. Agora discorra.

    • @luisrobertoakm
      @luisrobertoakm Před 3 lety +1

      Ele tinha uma namorada e era devoto de São Jorge... Bom , o mais fácil para quem acha certo os 13 tiros é pensar mesmo que ele n tinha sentimento, nem alma, nem dor... Acho que a visão utópica de pessoas como ela que salva o mundo. Humaniza. A inocência tem um poder que o mal desconhece.

    • @andrenunes3247
      @andrenunes3247 Před 3 lety

      @@luisrobertoakm sabe oque mais tem na cadeia?? Cristão! Tatuagem de Jesus Cristo é moda permanente no braço de ladrão. A mão que reza e dá carinho pros "seus", é a mesma mão que mata um dos "teus", por causa de relógio, celular, corrente de ouro, ou qualquer outro bem material. 13 tiros ou um apenas , não tornam ninguém santo, muito menos quem puxa o gatilho. As ovelhas não entendem quando Lobos matam Lobos, daí a inocência racionaliza um Lobo matando uma ovelha, porque simplesmente isso faz mais sentido.

  • @telmameira7411
    @telmameira7411 Před 3 lety

    Ela escreveu em 1064 uma fase complicada , o país vivia sob o regime militar , muitas mortes e torturas. Havia fome, desemprego ,tortura , silêncio . Os jovens se transformavam em delinquentes por falta de oportunidade ou revolta .

  • @BrunoRodrigues-ts1wf
    @BrunoRodrigues-ts1wf Před 3 lety +12

    "O décimo terceiro tiro me assassina - porque eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro."
    Essa crônica é bárbara. São cem anos dela neste 10 de dezembro de 2020. Viva Clarice Lispector, que celebrou a alteridade, tão necessária nestes tempos sórdidos.

  • @RafaelMagao3
    @RafaelMagao3 Před 8 lety +4

    os olhos humanos

  • @walkiriadossantosc4129
    @walkiriadossantosc4129 Před 7 lety +1

    Pena que leu o conto trocando palavras.como a parte que diz que mineirinho já ''matara demais''.Por que trocou a palavra DEMAIS por ANTES?????

  • @alflessa
    @alflessa Před 3 lety

    🥺

  • @juditejesus9818
    @juditejesus9818 Před 3 lety

    "Uma bala bastava". Verdade à vontade de decide, pela morte prevaleceu, tenho em minhas mãos um fuzil, portanto à minha decisão é ceifa está vida "insignificante"!
    Cruel mais nos dias atuais infelismente é assim.

  • @renatocmr100
    @renatocmr100 Před 5 lety +3

    80 tiros

  • @postoipiranga1732
    @postoipiranga1732 Před 3 lety +5

    *_Clarice Lispector_*
    _Mineirinho_
    *(1978)*
    ( Para quem gosta de acompanhar a leitura)
    É, suponho que é em mim, como um dos representantes do nós, que devo procurar por que está doendo a morte de um facínora. E por que é que mais me adianta contar os treze tiros que mataram Mineirinho do que os seus crimes. Perguntei a minha cozinheira o que pensava sobre o assunto. Vi no seu rosto a pequena convulsão de um conflito, o mal-estar de não entender o que se sente, o de precisar trair sensações contraditórias por não saber como harmonizá-las. Fatos irredutíveis, mas revolta irre­dutível também, a violenta compaixão da revolta. Sentir-se dividido na própria perplexidade diante de não poder esquecer que Mineirinho era perigoso e já matara demais; e no entanto nós o queríamos vivo. A cozinheira se fechou um pouco, vendo-me talvez como a justiça que se vinga. Com alguma raiva de mim, que estava mexendo na sua alma, respondeu fria: “O que eu sinto não serve para se dizer. Quem não sabe que Mineirinho era criminoso? Mas tenho certeza de que ele se salvou e já entrou no céu”. Respondi-lhe que “mais do que muita gente que não matou”.Por que? No entanto a primeira lei, a que protege corpo e vida insubstituíveis, é a de que não matarás. Ela é a minha maior garantia: assim não me matam, porque eu não quero morrer, e assim não me deixam matar, porque ter matado será a escuridão para mim.
    Esta é a lei. Mas há alguma coisa que, se me faz ouvir o primeiro e o segundo tiro com um alívio de segurança, no terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o quinto e o sexto me cobrem de vergonha, o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror, no nono e no décimo minha boca está trêmula, no décimo primeiro digo em espanto o nome de Deus, no décimo segundo chamo meu irmão. O décimo terceiro tiro me assassina - porque eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro.
    Essa justiça que vela meu sono, eu a repudio, humilhada por precisar dela. Enquanto isso durmo e falsamente me salvo. Nós, os sonsos essenciais.
    Para que minha casa funcione, exijo de mim como primeiro dever que eu seja sonsa, que eu não exerça a minha revolta e o meu amor, guardados. Se eu não for sonsa, minha casa estremece. Eu devo ter esquecido que embaixo da casa está o terreno, o chão onde nova casa poderia ser erguida. Enquanto isso dormimos e falsamente nos salvamos.
    Até que treze tiros nos acordam, e com horror digo tarde demais - vinte e oito anos depois que Mineirinho nasceu - que ao homem acuado, que a esse não nos matem. Porque sei que ele é o meu erro. E de uma vida inteira, por Deus, o que se salva às vezes é apenas o erro, e eu sei que não nos salvaremos enquanto nosso erro não nos for precioso. Meu erro é o meu espelho, onde vejo o que em silêncio eu fiz de um homem. Meu erro é o modo como vi a vida se abrir na sua carne e me espantei, e vi a matéria de vida, placenta e sangue, a lama viva.
    Em Mineirinho se rebentou o meu modo de viver. Como não amá-lo, se ele viveu até o décimo-terceiro tiro o que eu dormia? Sua assustada violência. Sua violência inocente - não nas conseqüências, mas em si inocente como a de um filho de quem o pai não tomou conta.
    Tudo o que nele foi violência é em nós furtivo, e um evita o olhar do outro para não corrermos o risco de nos entendermos. Para que a casa não estre­meça.
    A violência rebentada em Mineirinho que só outra mão de homem, a mão da esperança, pousando sobre sua cabeça aturdida e doente, poderia aplacar e fazer com que seus olhos surpreendidos se erguessem e enfim se enchessem de lágrimas. Só depois que um homem é encontrado inerte no chão, sem o gorro e sem os sapatos, vejo que esqueci de lhe ter dito: também eu.
    Eu não quero esta casa. Quero uma justiça que tivesse dado chance a uma coisa pura e cheia de desamparo em Mineirinho - essa coisa que move montanhas e é a mesma que o fez gostar “feito doido” de uma mulher, e a mesma que o levou a passar por porta tão estreita que dilacera a nudez; é uma coisa que em nós é tão intensa e límpida como uma grama perigosa de radium, essa coisa é um grão de vida que se for pisado se transforma em algo ameaçador - em amor pisado; essa coisa, que em Mineirinho se tornou punhal, é a mesma que em mim faz com que eu dê água a outro homem, não porque eu tenha água, mas porque, também eu, sei o que é sede; e também eu, que não me perdi, experimentei a perdição.
    A justiça prévia, essa não me envergonharia. Já era tempo de, com ironia ou não, sermos mais divinos; se adivinhamos o que seria a bondade de Deus é porque adivinhamos em nós a bondade, aquela que vê o homem antes de ele ser um doente do crime. Continuo, porém, espe­rando que Deus seja o pai, quando sei que um homem pode ser o pai de outro homem.
    E continuo a morar na casa fraca. Essa casa, cuja porta protetora eu tranco tão bem, essa casa não resistirá à primeira ventania que fará voar pelos ares uma porta tran­cada. Mas ela está de pé, e Mineirinho viveu por mim a raiva, enquanto eu tive calma.
    Foi fuzilado na sua força desorientada, enquanto um deus fabricado no último instante abençoa às pressas a minha maldade organizada e a minha justiça estupidificada: o que sustenta as paredes de minha casa é a certeza de que sempre me justificarei, meus amigos não me justificarão, mas meus inimigos que são os meus cúmplices, esses me cumprimentarão; o que me sustenta é saber que sempre fabricarei um deus à imagem do que eu precisar para dormir tranqüila e que outros furtivamente fingirão que estamos todos certos e que nada há a fazer.
    Tudo isso, sim, pois somos os sonsos essenciais, baluartes de alguma coisa. E sobretudo procurar não entender.
    Porque quem entende desorganiza. Há alguma coisa em nós que desorganizaria tudo - uma coisa que entende. Essa coisa que fica muda diante do homem sem o gorro e sem os sapatos, e para tê-los ele roubou e matou; e fica muda diante do São Jorge de ouro e diamantes. Essa alguma coisa muito séria em mim fica ainda mais séria diante do homem metralhado. Essa alguma coisa é o assassino em mim? Não, é desespero em nós. Feito doidos, nós o conhecemos, a esse homem morto onde a grama de radium se incendiara. Mas só feito doidos, e não como sonsos, o conhecemos. É como doido que entro pela vida que tantas vezes não tem porta, e como doido compreendo o que é perigoso compreender, e só como doido é que sinto o amor profundo, aquele que se confirma quando vejo que o radium se irradiará de qualquer modo, se não for pela confiança, pela esperança e pelo amor, então miseravelmente pela doente coragem de destruição. Se eu não fosse doido, eu seria oitocentos policiais com oitocentas metralhadoras, e esta seria a minha honorabilidade.
    Até que viesse uma justiça um pouco mais doida. Uma que levasse em conta que todos temos que falar por um homem que se desesperou porque neste a fala humana já falhou, ele já é tão mudo que só o bruto grito desarticulado serve de sinalização.
    Uma justiça prévia que se lembrasse de que nossa grande luta é a do medo, e que um homem que mata muito é porque teve muito medo. Sobretudo uma justiça que se olhasse a si própria, e que visse que nós todos, lama viva, somos escuros, e por isso nem mesmo a maldade de um homem pode ser entregue à maldade de outro homem: para que este não possa cometer livre e aprovadamente um crime de fuzilamento.
    Uma justiça que não se esqueça de que nós todos somos perigosos, e que na hora em que o justiceiro mata, ele não está mais nos protegendo nem querendo eliminar um criminoso, ele está cometendo o seu crime particular, um longamente guardado. Na hora de matar um criminoso - nesse instante está sendo morto um inocente. Não, não é que eu queira o sublime, nem as coisas que foram se tornando as palavras que me fazem dormir tranqüila, mistura de perdão, de caridade vaga, nós que nos refugiamos no abstrato.
    O que eu quero é muito mais áspero e mais difícil: quero o terreno.

  • @andersoncerqueira2723
    @andersoncerqueira2723 Před 4 lety +6

    Só uma pergunta
    E as balas que o Mineirinho desferiu em suas vítimas ?
    A Clarice não se preocupou
    Aqui nos comentários, ninguém se preocupou
    Sempre a preocupação de vocês, é com o bandido, com a "vítima da sociedade"
    Sentir pena dos culpados é trair os inocentes!
    (Ayn Rand)

    • @carteiro0
      @carteiro0 Před 4 lety +14

      Olha Anderson, sinceramente você está distorcendo a realidade meu nobre. Percebe-se que ela fica abalada não com o fato da morte de um bandido, mas a frieza das autoridades. Treze tiros? Por que treze tiros? A raiva não pode tomar a alma de alguém em um momento tão delicado, como é abordar um criminoso. Por mais que ele tenha tido feito vítimas, todos tema oportunidade de aprenderem com o erro, e voltarem-se para o bom Deus. Por que o povo escolheu Jesus, ao invés de Barrabás? Pois Deus deu uma segunda chance. Estude a alma de uma escritora, e comemore conosco o centenário dessa gênia alma, que tanto fez ao Brasil.
      E lembre-se, o fato não foi proteger o bandido, mas a pessoa que ele era. Como você é, como eu sou, como sua mãe também é. Ele também foi filho, como você e eu somos.

    • @MsBelleFlanders
      @MsBelleFlanders Před 4 lety +3

      @@carteiro0 Justamente, o cidadão de bem acha que justiça e vingança são a mesma coisa. Talvez não sejam tão de bem assim quanto pensam

    • @fredesch3158
      @fredesch3158 Před 4 lety +3

      A Clarice te explica:
      "Uma justiça que não se esqueça de que nós todos somos perigosos, e que na hora em que o justiceiro mata, ele não está mais nos protegendo nem querendo eliminar um criminoso, ele está cometendo o seu crime particular, um longamente guardado. Na hora de matar um criminoso - nesse instante está sendo morto um inocente."

    • @izabelcst
      @izabelcst Před 3 lety

      VER HUMAN tempo 5.25 - czcams.com/video/-Ap1qI-3nhg/video.html

  • @Colette648
    @Colette648 Před 6 lety +2

    Qual é o ano de publicação do conto?

    • @AntonioLima-zs6ss
      @AntonioLima-zs6ss Před 6 lety

      Silvia B 1977

    • @izabelcst
      @izabelcst Před 3 lety

      @@AntonioLima-zs6ss EScrito em 1964 - no Livro de crônicas " Para não esquecer"

  • @cilainesalgado4134
    @cilainesalgado4134 Před rokem

    tento gostar dela aff

  • @Sophia-fm6tu
    @Sophia-fm6tu Před 6 lety +2

    é a mãe de mineirinho narrando?

  • @marleneborba3033
    @marleneborba3033 Před 4 lety

    13 tiros num bandido foi tarde...
    Agora 80 tiros numa família inocente... Que país é esse?? País do despreparo profissional, país da impunidade 😭😪

    • @FlavioAlves-gt1rw
      @FlavioAlves-gt1rw Před 4 lety +2

      Primeiro: Que eu saiba ainda não existe pena de morte no Brasil. Segundo: E mesmo se existisse pena de morte no Brasil, policial é juiz?

    • @marleneborba3033
      @marleneborba3033 Před 4 lety

      Flávio, acho que você não entendeu meu comentário? Fiz uma comparação entre o texto poético e a realidade que aconteceu há pouco tempo aqui no Brasil...

    • @FlavioAlves-gt1rw
      @FlavioAlves-gt1rw Před 4 lety

      @@marleneborba3033 Entendi errado. Desculpe.

    • @MsBelleFlanders
      @MsBelleFlanders Před 4 lety +2

      Seu engano é achar que estes 13 tiros não têm nada a ver com os 80. Como disse Clarisse "1 tiro bastava, o resto era vontade de matar"