POEMA CIRCULAR, de Apparício Silva Rillo - poesia declamada

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  • čas přidán 12. 09. 2024
  • "POEMA CIRCULAR", do autor Apparício Silva Rillo. Interpretação de Leandro de Araújo e acompanhamento musical de Guilherme Howes, com a música "Milonga da Noite" (disponível em • Milonga da Noite | Cos... ).
    POEMA CIRCULAR
    Apparício Silva Rillo
    Não,
    não me procurem mais
    no meu velho endereço lá no campo.
    Eu estou me mudando,
    eu estou de mudança
    estou mudado.
    Compreendam:
    no meu velho endereço lá no campo
    só me havia ficado o coração
    - já menos moço para os frios de agosto,
    - para os ventos parados do verão.
    O resto:
    braços, pernas,
    mãos, tronco e cabeça -
    há muito tempo pagava fretes
    num caminhão de carga que os trazia
    pela fita do asfalto,
    de um a um.
    Claro,
    vim aos pedaços,
    como resistindo.
    E quanto resisti!
    Partido,
    repartido,
    a metade de lá chamava a outra
    que tinha se mudado para aqui.
    Eu ia.
    e no meu velho endereço lá no campo
    estava a bombacha vazia
    no espaldar da cadeira.
    E como é triste a bombacha vazia de seu dono!
    O chapéu sem cabeça, nos cabides,
    um lenço colorado sem pescoço,
    as botas paralíticas
    junto ao penico de louças, sob a cama,
    - o meu jeito de andar perdido delas.
    Não,
    não me procurem mais
    no meu velho endereço lá no campo.
    Eu estou me mandando,
    eu estou de mudança,
    estou mudado.
    Trouxe nas malas anos de recuerdos:
    as esporas do avô, um mango retovado,
    uma franja de pala, um barbicacho,
    um estribo sem loro, uma cambona,
    uma panela com terra,
    um boizinho de argila, que não berra
    e um cavalo de ventos para andar.
    Tudo isso nas malas!
    Elas que são o avesso da gente,
    porque são íntimas de nós,
    e nos carregam.
    Não,
    não mandem mais
    a meu velho endereço lá no campo:
    livros de versos, discos e romances,
    revistas e jornais.
    Nem aviso de amigos que morreram,
    nem notícias de netos que chegaram
    como o menino Jesus, pelos Natais.
    Tudo isso:
    - vinho de alma, pão para a matéria -
    tem um novo endereço de remessa:
    uma casa de brisas e tijolos
    numa cidade que eu amei depressa
    pelas raízes campeiras, que ainda encontro
    nas ruas de seus bairros e travessas.
    Ah, quanto cantei
    - de alma limpa e boa boca,
    em salmos e protestos e orações -
    o meu terrunho onde deixei plantado
    o que tive de melhor no coração!
    Um dia, os que virão
    hão de saber que estanciei por lá,
    nessa casa amparada por retratos
    que vigilam na sombra como guardas
    de uma herança que eu não sei quem herdará!
    Na casa,
    fiéis como esses gatos que não mudam
    embora se mude o dono e vá-se embora,
    estarão os meus livros e a vitrola
    para falarem por mim - pelos meus versos,
    para cantarem por mim - pelas cantigas...
    E assim me hão de encontrar os que saudarem
    nos portais do terrunho, ó “Ó de casa!”
    Que no meu tempo escancarava portas
    e abria corações para os andantes.
    Não,
    não me procurem mais
    no meu velho endereço lá no campo.
    Eu estou mudado,
    eu estou de mudança,
    já mudei!

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