NVCM - EPISÓDIO 03 - TEMPORADA 6

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  • čas přidán 7. 04. 2024
  • Crônica: Interrompedores compulsivos
    Descobri que há todo tipo de compulsões. Será que você é uma dessas pessoas que chamo de “Interrompedores compulsivos”? Sabe como é, aquela pessoa muito educada que vai chegando e interrompendo sua concentração, não sem antes se desculpar dizendo que não quer interromper.
    Sei que não fazem isso de propósito, mas por compulsão e, graças à colaboração direta dessas pessoas, tenho uma coleção de momentos de escrita inacabados. Textos, poemas e mais um monte de escritos que nunca saberei no que se tornariam...
    Tenho lembranças muito vívidas da época em que comecei a escrever e os anos que se seguiram. Ainda morava na casa dos meus pais, com meus irmãos... Era assim: Se começava a escrever, me interrompiam com toda sorte de chamamentos: às vezes, era hora do café, outras, era hora do mercado, ou de ir a algum compromisso social. Eu não perdia o chamado para dar uma olhada em qualquer coisa nova que os meus sobrinhos aprendiam e acharia lindo! Aí me interrompiam também até para mostrar o que o cachorro fez, pode? Daí, já era tarde, acabava o dia... era véspera de aula, dia de viagem ... e eu ia largando o que começava a escrever pelo caminho...
    Será que as pessoas pensam que os poemas (e crônicas que naquela época ainda não escrevia) que escrevemos já vêm prontos e devidamente publicados nos livros ou, num passe de mágica, aparecem postados nas redes sociais? Será que pensam que poetas, escritoras e escritores não precisam de sossego? De um tempo dedicado a entrega íntima e solitária?
    Na casa da nossa família, na juventude, os quartos ficavam um andar acima. Uma escada e um corredor davam acesso a eles. Eu me lembro de observar, discretamente, como todos passavam pela minha porta, sempre aberta, olhando para dentro, esperando, com sorte, flagrar-me olhando para o teto, dançando ou fazendo qualquer outra coisa que não fosse ler ou escrever, para poderem me interromper sem culpas. No fundo, eles sabiam que eu gostaria de ser deixada em paz com meus cadernos (antes de um notebook, tive uma máquina de escrever Olivetti Lettera 82). Mas, a compulsão os fazia sempre ter algo a dizer que, segundo pensavam, valia a interrupção do fluxo do meu pensamento ou da minha escrita. Então eu parava, escutava tudo com relativa atenção e depois perguntava: “Pronto? Terminou?”
    Escrevo esta crônica cercada pelos muitos cadernos, blocos, folhas soltas, toda sorte de papéis com frases só começadas. Guardei para depois completar a escrita, mas nem sempre deu para retomar, nem antes nem depois de dois, três meses ou até anos. Escrevo sorrindo para cada lembrança de interrupções, às vezes inacreditáveis como uma que é um clássico: “…Tinha uma coisa para me dizer, mas esqueci...”.
    Agindo como interrompedores compulsivos, minha família me ensinou a desenvolver a capacidade de concentração, de observação e, de também, nunca me desconectar do mundo e das pessoas ao redor. Havia muito, muito o que dizer sobre a minha paisagem interior que era bela, triste, poética, intensa. Mas, ainda bem que fui também seduzida pelos apelos da vida acontecendo bela, feia, doce, nova, do lado de fora.
    Crônica inédita de Nadia Virginia B. Carneiro
    ©Todos os direitos reservados Nadia Virginia Barbosa Carneiro

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