Noel Guarany - Bochincho

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  • čas přidán 5. 12. 2016
  • Noel Guarany Sem Fronteiras
    A um bochincho - certa feita,
    Fui chegando - de curioso,
    Que o vicio - é que nem sarnoso,
    nunca pára - nem se ajeita.
    Baile de gente direita
    Vi, de pronto, que não era,
    Na noite de primavera
    Gaguejava a voz dum tango
    E eu sou louco por fandango
    Que nem pinto por quireral.
    Atei meu zaino - longito,
    Num galho de guamirim,
    Desde guri fui assim,
    Não brinco nem facilito.
    Em bruxas não acredito
    'Pero - que las, las hay',
    Sou da costa do Uruguai,
    Meu velho pago querido
    E por andar desprevenido
    Há tanto guri sem pai.
    No rancho de santa-fé,
    De pau-a-pique barreado,
    Num trancão de convidado
    Me entreverei no banzé.
    Chinaredo à bola-pé,
    No ambiente fumacento,
    Um candieiro, bem no centro,
    Num lusco-fusco de aurora,
    Pra quem chegava de fora
    Pouco enxergava ali dentro!
    Dei de mão numa tiangaça
    Que me cruzou no costado
    E já sai entreverado
    Entre a poeira e a fumaça,
    Oigalé china lindaça,
    Morena de toda a crina,
    Dessas da venta brasina,
    Com cheiro de lechiguana
    Que quando ergue uma pestana
    Até a noite se ilumina.
    Misto de diaba e de santa,
    Com ares de quem é dona
    E um gosto de temporona
    Que traz água na garganta.
    Eu me grudei na percanta
    O mesmo que um carrapato
    E o gaiteiro era um mulato
    Que até dormindo tocava
    E a gaita choramingava
    Como namoro de gato!
    A gaita velha gemia,
    Ás vezes quase parava,
    De repente se acordava
    E num vanerão se perdia
    E eu - contra a pele macia
    Daquele corpo moreno,
    Sentia o mundo pequeno,
    Bombeando cheio de enlevo
    Dois olhos - flores de trevo
    Com respingos de sereno!
    Mas o que é bom se termina
    - Cumpriu-se o velho ditado,
    Eu que dançava, embalado,
    Nos braços doces da china
    Escutei - de relancina,
    Uma espécie de relincho,
    Era o dono do bochincho,
    Meio oitavado num canto,
    Que me olhava - com espanto,
    Mais sério do que um capincho!
    E foi ele que se veio,
    Pois era dele a pinguancha,
    Bufando e abrindo cancha
    Como dono de rodeio.
    Quis me partir pelo meio
    Num talonaço de adaga
    Que - se me pega - me estraga,
    Chegou levantar um cisco,
    Mas não é a toa - chomisco!
    Que sou de São Luiz Gonzaga!
    Meio na volta do braço
    Consegui tirar o talho
    E quase que me atrapalho
    Porque havia pouco espaço,
    Mas senti o calor do aço
    E o calor do aço arde,
    Me levantei - sem alarde,
    Por causa do desaforo
    E soltei meu marca touro
    Num medonho buenas-tarde!
    Tenho visto coisa feia,
    Tenho visto judiaria,
    Mas ainda hoje me arrepia
    Lembrar aquela peleia,
    Talvez quem ouça - não creia,
    Mas vi brotar no pescoço,
    Do índio do berro grosso
    Como uma cinta vermelha
    E desde o beiço até a orelha
    Ficou relampeando o osso!
    O índio era um índio touro,
    Mas até touro se ajoelha,
    Cortado do beiço a orelha
    Amontoou-se como um couro
    E aquilo foi um estouro,
    Daqueles que dava medo,
    Espantou-se o chinaredo
    E amigos - foi uma zoada,
    Parecia até uma eguada
    Disparando num varzedo!
    Não há quem pinte o retrato
    Dum bochincho - quando estoura,
    Tinidos de adaga - espora
    E gritos de desacato.
    Berros de quarenta e quatro
    De cada canto da sala
    E a velha gaita baguala
    Num vanerão pacholento,
    Fazendo acompanhamento
    Do turumbamba de bala!
    É china que se escabela,
    Redemoinhando na porta
    E chiru da guampa torta
    Que vem direito à janela,
    Gritando - de toda guela,
    Num berreiro alucinante,
    Índio que não se garante,
    Vendo sangue - se apavora
    E se manda - campo fora,
    Levando tudo por diante!
    Sou crente na divindade,
    Morro quando Deus quiser,
    Mas amigos - se eu disser,
    Até periga a verdade,
    Naquela barbaridade,
    De chínaredo fugindo,
    De grito e bala zunindo,
    O gaiteiro - alheio a tudo,
    Tocava um xote clinudo,
    Já quase meio dormindo!
    E a coisa ia indo assim,
    Balanceei a situação,
    - Já quase sem munição,
    Todos atirando em mim.
    Qual ia ser o meu fim,
    Me dei conta - de repente,
    Não vou ficar pra semente,
    Mas gosto de andar no mundo,
    Me esperavam na do fundo,
    Saí na Porta da frente...
    E dali ganhei o mato,
    Abaixo de tiroteio
    E inda escutava o floreio
    Da cordeona do mulato
    E, pra encurtar o relato,
    Me bandeei pra o outro lado,
    Cruzei o Uruguai, a nado,
    Que o meu zaino era um capincho
    E a história desse bochincho
    Faz parte do meu passado!
    E a china - essa pergunta me é feita
    A cada vez que declamo
    É uma coisa que reclamo
    Porque não acho direita
    Considero uma desfeita
    Que compreender não consigo,
    Eu, no medonho perigo
    Duma situação brasina
    Todos perguntam da china
    E ninguém se importa comigo!
    E a china - eu nunca mais vi
    No meu gauderiar andejo,
    Somente em sonhos a vejo
    Em bárbaro frenesi.
    Talvez ande - por aí,
    No rodeio das alçadas,
    Ou - talvez - nas madrugadas,
    Seja uma estrela chirua
    Dessas - que se banha nua
    No espelho das aguadas!

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